segunda-feira, 2 de julho de 2012

Biocombustíveis


Novas estratégias definem próximos passos


Por: Redação TN / IPT

Depois de voltarem ao uso da gasolina em seus veículos graças a uma crise de abastecimento de álcool no fim dos anos 80, os brasileiros se reaproximaram do etanol a partir de 2003, com o lançamento do sistema flex nos automóveis. A nova tecnologia dominou o cenário da indústria, alcançando em cinco anos o patamar de mais de 90% das unidades produzidas.

A sociedade demandou o veículo bicombustível, porque uma eficiente campanha mostrou que o usuário poderia fazer a escolha do combustível no momento do abastecimento em vez de ficar prisioneiro da escolha feita no momento de compra do veículo. A própria indústria automotiva era reticente em relação à tecnologia flex, que já estava pronta e aguardava uma oportunidade para se inserir no mercado. “A inovação nesse caso foi do marketing, que resgatou a credibilidade do álcool”, afirma Francisco Nigro, assessor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, pesquisador aposentado do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e também professor da Escola Politécnica da USP.

Mas nos últimos dois anos, a cadeia de bioetanol no Brasil adentrou uma crise por conta de fatores como o “congelamento” do preço da gasolina, a quebra de safra por efeitos climáticos, a alta do preço do açúcar no mercado externo, o que atrai o interesse de usineiros para a produção da commodity, e o forte crescimento da demanda proporcionado pelos veículos flex. Sem a referência histórica de preço – de 65% em relação à gasolina –, o etanol passou a oscilar ao ritmo dos fatores de mercado e produção, e o consumo voltou a apontar para a gasolina, que tem crescido à média de 17% ao ano.

“A visão estratégica global do papel reservado à energia renovável é fundamental”, diz Nigro. O que ele define como “visão estratégica” tem a ver com a necessidade de uma ruptura no comportamento que marcou a história do programa Proálcool no Brasil, já que quando o preço do petróleo caiu na segunda metade dos anos 80 e se manteve baixo até o final da década de 90, governos e empreendedores abandonaram suas posições, deixando o mercado retomar o combustível fóssil.

O mais incrível dessa crise atual é que no momento em que os Estados Unidos derrubam as barreiras à importação do etanol brasileiro – a medida está em vigor desde 1º de janeiro deste ano – o setor produtivo não tem o combustível para exportar e, além disso, o País passou a importar o produto para garantir o abastecimento do mercado interno. Essa conjuntura indica que o governo em algum momento deve se manifestar sobre a questão, com tendência a rever o papel do etanol na política energética do País.

Segundo o professor Nigro, para enfrentar o problema será preciso fomentar a tecnologia no setor produtivo. “Fazer a ponte entre a academia e a indústria é o principal desafio, é mais importante do que paper acadêmico, porque significa abastecer o desenvolvimento. É claro que essa aproximação tem melhorado, mas ainda é fraca. O Brasil publica paper, mas não tem patente”, afirma. Essa perspectiva também repercute entre autoridades do governo federal. Ao participar da Rio+20, o ministro Wagner Bittencourt, da Secretaria de Aviação Civil, disse que é preciso buscar sinergias entre empresas e pesquisadores para enfrentar a crise no setor.

A competitividade dos biocombustíveis frente aos derivados de petróleo enfrenta pelos menos dois fatores adversos. Um deles é o fato de o governo manter os preços da gasolina e do diesel estáveis para atenuar pressões inflacionárias – esse é certamente um instrumento de estabilidade econômica, mas seu efeito colateral é a dificuldade do etanol de se manter competitivo, pois está sujeito, por exemplo, à questão das intempéries que afetam os produtos agrícolas. O outro fator está nas imensas escalas produtivas da indústria do petróleo. “As ordens de grandeza são muito diferentes”, diz Nigro, lembrando que o consumo mundial de etanol fica na proporção de 5% a 6% do consumo de petróleo.

O melhor aproveitamento energético do bagaço e da palha de cana-de-açúcar está na perspectiva das novas tecnologias que devem aumentar a produtividade na indústria de biocombustíveis. Uma frente importante de desenvolvimento, e que poderá dobrar a produtividade das áreas plantadas, é o etanol de segunda geração. Nesse caso, o IPT vem trabalhando com uma equipe de 22 pesquisadores no projeto de R$ 80 milhões de uma planta de gaseificação de biomassa para produção em escala piloto. O projeto, que é um dos maiores da história do Instituto e conta com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está consolidando a rota termoquímica de produção, que consiste na reação controlada com oxigênio, gerando uma mistura gasosa de monóxido de carbono e hidrogênio, o gás de síntese, que pode ser usado para gerar energia elétrica, biocombustíveis líquidos e biopolímeros.

A outra frente tecnológica de avanço das usinas é dada pela modernização de seus equipamentos, nos quais o bagaço e a palha são queimados para a geração de energia elétrica. Desde os anos 90, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) mantém a compra de energia excedente das usinas, o que tem estimulado a modernização de seus processos industriais com geradores acoplados a caldeiras, que estão ganhando mais capacidade. Das antigas caldeiras com pressões de 20 bar, a tecnologia chega hoje a níveis mais expressivos, com pressões de 80 bar e algumas usinas também contam com moendas elétricas, ganhando em produtividade. “Qualquer ação política do governo para acelerar esse processo de modernização é bem-vinda”, afirma o professor Nigro.

O ‘Brasil Maior’, programa do governo federal lançado em agosto de 2011 para estimular a atividade industrial no País, também está prospectando oportunidades de investimento na indústria sucroenergética, pesquisando os produtos que têm maior valor agregado e podem alavancar negócios nesse segmento. “A ideia é dar um empurrão nos produtos que vão estar no mercado daqui a quatro ou cinco anos”, afirma Nigro, que tem participado de reuniões com representantes do setor. Por meio do programa, está sendo gestado um termo de referência que dará subsídios a decisões estratégicas de financiamento junto ao BNDES.

História

No início de junho, o professor Nigro participou de um seminário no Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), da Escola Politécnica, em que fez uma retrospectiva da atuação do IPT no desenvolvimento do programa Proálcool, desde os anos 70. Veja abaixo os momentos importantes dessa história, destacados pelo professor até o ano 2000:

1976/77 – Sob a direção de Alberto Pereira de Castro, o IPT estabelece um programa de energia para coordenar e incentivar projetos em suas divisões técnicas;

1978 – Fundação do laboratório de motores com o objetivo de substituição do óleo diesel por renováveis; desenvolvimento de projetos de conservação de energia na indústria, com financiamento do Ministério das Minas e Energia e da FINEP;

1978 – Parceria com a CESP voltada ao uso do metanol em motores a diesel, principalmente em locomotivas, para as quais foi desenvolvida a tecnologia de metanol injetado misturado com óleo de mamona e aditivo de ignição (18%);

1979 – Início da construção do prédio do laboratório de motores;

1979 – Projeto de construção de uma mini-usina de etanol, envolvendo o setor de química do IPT; área de metalurgia pesquisa a corrosão do etanol; a engenharia de sistemas da CESP pesquisa o potencial de biomassas no Estado;

1979-82 – Laboratório de motores dissemina a tecnologia de propulsores a álcool, ajudando as retíficas de motores nos procedimentos de conversão para álcool. Esse trabalho envolveu 103 empresas, 201 motores ensaiados e 81 homologados;

1980 – IPT desenvolve projeto para a Centrais Elétricas do Pará (Celpa) de adoção de etanol nebulizado no ar de admissão de motor a diesel para grupo gerador;

1980 – IPT acompanha para a EMTU/Emplasa operação de linha de ônibus da Viação Urubupungá com veículos da Mercedes-Benz a álcool aditivado;

1980-87 – Área de química desenvolve os seguintes projetos: desidratação de álcool etílico para produção de etileno; reforma com vapor de metanol para produção de hidrogênio; produção de catalisadores em escala piloto; e produção de álcool etílico por fermentação alcoólica contínua;

1981-83 – Projeto para a CESP adota metanol emulsificado em diesel – metanol com ‘ponto quente’;

1882 – Desenvolvimento de instrumentação para a câmara de combustão de motores;

1982-85 – Uso de metanol por dupla injeção em motores de locomotivas: solução complexa, mas mais eficiente que as demais para motores de grande cilindrada unitária (90% metanol, 10% diesel); desenvolvimento do sistema, adaptações na máquina e testes de desempenho e emissões em locomotiva GE U6C; manual de modificação das máquinas;

1986 – IPT desenvolve para a CESP o uso de misturas de etanol, metanol e gasolina em motores Otto a etanol; ensaios em dinamômetro e campo; resultados antecipam e servem de base para o estabelecimento de modelo que permitiu abastecer a frota a álcool por ocasião do desabastecimento de etanol (1989);

1997-98 – Com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), o IPT promove o uso de emulsões de etanol hidratado em óleo diesel em motores, realizando ensaios de desempenho, de emissões e testes de campo;

1998 – Parceria com a Associação de Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná (Alcopar) para o uso de misturas etanol anidro/diesel em motores: ensaios de desempenho e emissões em dinamômetro;

2000 – Seminário em abril sobre motores flexíveis no IPT antecipa e provoca o início da corrida pela tecnologia flexível: as montadoras e os usineiros se manifestam contra a tecnologia. Os sistemistas são favoráveis. O seminário conta com grande participação de representantes do governo do Estado e Federal; divulgação na mídia televisiva de modelos flexíveis sendo abastecidos começa a campanha para resgatar a credibilidade do etanol.